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sexta-feira, 3 de junho de 2011

Uma vida dedicada aos rios e às canções


Em madrugadas insones, Filinésio Moreira Soares costuma levantar da cama com melodias na cabeça. Os passos lentos atravessam o corredor que separa o quarto da mesa da sala onde cadernos de partituras e um pequeno aparelho de som estão sempre à disposição. Neles, Moreira Soares debruça-se para só voltar ao leito quando a música imaginária que lhe invadiu o sono transforma-se em realidade diante do papel. Nessas horas, a mulher Juraci reclama a ausência do marido. Mas, de certa forma, já se acostumou com a rotina improvável do maestro que rege o coral do templo central da Assembleia de Deus.
Filinésio Moreira tem 91 anos e há mais de quatro décadas é quem rege o coral de quatro vozes da igreja. Em 1965, assumiu a regência de um dos corais mais famosos das igrejas pentecostais paraenses. As vozes assembleianas já se fizeram ouvir em capitais como Recife, Porto Alegre e Vitória. Também vão estar presentes no próximo dia 16, durante as celebrações do Centenário.
“Peguei uma gripe que não quer sair”, diz o regente ao abrir o portão da casa. “Acho mais fácil ensaiar quatro horas do que dar uma entrevista”, complementa. Na parede que emenda sala e corredor, uma galeria de diplomas que reconhecem o trabalho desenvolvido durante os últimos 46 anos. Contam parte da história de Filinésio. A outra está navegando pelos rios da Amazônia. Durante muitos anos, Filinésio foi dono de pequenas e médias embarcações. Viajou muito. Nada que surpreenda. Filinésio nasceu em Bragança em 1920. Aos 11 anos, descobriu o evangelho. Mas a paixão maior eram os barcos. Acompanhado pela música. “Quando a gente pisa numa embarcação tem vontade de cantar. E eu cantava”. Muitos hinos religiosos foram compostos ali, naqueles momentos entre o horizonte marinho e o céu nublado. “Fiz mais de 300 hinos”, contabiliza.
O marinheiro que não perdeu as graças do mar queria viver em São Luís, no Maranhão. Acabou, doente, dando com os costados em Belém. Chegou de Bragança aboletado num caminhão depois de oito horas de viagem. Eram 6h da manhã quando o futuro regente apeou da carroceria onde hoje é a avenida João Paulo II, entre Barão e Angustura. O pastor do templo central, amigo de Moreira, soube da chegada e mandou buscá-lo. “Eu tinha uma complicação de coisas que nem o médico sabia. Quando fui para o templo, em pouco tempo sarei”, diz.
Aos poucos foi se envolvendo com a música dentro da igreja. Com 45 anos decidiu aproveitar a aptidão natural e ingressou no curso de música do conservatório Carlos Gomes. “Eu tinha uma audição boa. Fiz um curso de canto. No dia do teste, interpretei Lua Branca. A palma comeu, derrubei todo mundo que dizia que eu era um velho para aprender música. Logo em seguida, mandei cancelar o canto e fui para a teoria e regência. Terminei o curso e passei a me dedicar ainda mais ao coral”.
O reconhecimento é grande. Nas viagens seguem 45 pessoas. Podem cantar de seis a 12 hinos, dependendo da intenção do pastor. Filinésio não prepara repertório antecipado. Observa a fala dos ministrantes dos cultos e vai escolhendo os hinos na hora. “Os cantores já se acostumaram. Eles sobem no ônibus sem saber o que irão cantar”, diz. Para isso, valem os ensaios puxados. São três dias por semana, a partir das 19h.
Filinésio vem de uma família longeva. O pai morreu com 100 anos. O irmão com 94. O regente ainda se recupera de uma fratura no pé, resultado de um dos últimos pedidos do político Hélio Gueiros. “Ele sempre dizia que gostaria que o coral cantasse o Pai Nosso no funeral dele. Nesse dia, acabei caindo e quebrando o pé”, diz.
A mulher de Filinésio é quem faz as batas do coral. Diz que o marido abusa do trabalho. As estripulias são relatadas aos filhos. Vêm os ‘pitos’ ao telefone. Filinésio não se incomoda muito. Já está preparando o repertório para o centenário, mas talvez os cantores só saibam quais serão os hinos momentos antes da festa, para não fugir à tradição. (Diário do Pará)

Fonte : (Diário do Pará)
IEAD - O Centenário

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